Aprendizagem nas organizações: quem aprende? como se aprende? o que se aprende?

Dez 1, 2021

Dependendo da época e do contexto, o termo aprendizagem pode ser compreendido de diferentes maneiras. Algumas abordagens dão ênfase à acumulação de saberes, outras à repetição de ações e comportamentos, outras ainda colocam foco na capacidade de memorização de informações.

A abordagem que me influencia parte de autores que veem o ser humano como um ser em contínua construção de si mesmo, como aponta este conceito de Maturana (2014) e Maturana e Varela (2001):

Aprendizado não é um processo de acumulação de representações do ambiente, ele é um processo contínuo de transformação estrutural que um organismo pode sofrer em função da conservação da sua autopoiese. É um processo social e biológico, não podendo ser explicado unicamente por perspectivas sociológicas.

Aqui vale observar que o termo autopoiese, na perspectiva de Maturana (2014), significa autoprodução por um processo de auto-organização. O conceito expressa uma característica dos seres vivos como sistemas que se produzem continuamente a si mesmos.

Nessa linha de raciocínio, vale acrescentar à reflexão a Teoria do Agir Comunicativo de Habermas que evidencia como a interação entre os indivíduos pode ser compreendida como discurso orientado ao entendimento. Discussão e argumentação são formas de reflexão do agir comunicativo e é a partir do diálogo que os interlocutores podem chegar a um entendimento mútuo.

Trazendo essa reflexão para as organizações é possível observar a existência de uma relação intrínseca entre linguagem, discurso e Aprendizagem Organizacional. Sendo esse discurso uma forma de aprendizagem nas organizações, que possibilita o compartilhamento de experiências e de valores, ele transcende o treinamento instrucional conteudista e possibilita a realização de transformações. Nesse sentido, os processos de aprendizagem são pensados a partir da prática, tendo a resolução de problemas como seu eixo central.

Aprendizagem, portanto, é um processo de contínua transformação estrutural que acontece por meio de processos sociais e biológicos e que faz uso da linguagem como discurso e não apenas como instrumento para repetição de informação (a linguagem a que me refiro aqui é a linguagem como ação). Além disso, depende do observador, do contexto e das relações de afeto que movem as pessoas e as organizações.

Por falar em observador, o observador ao qual me refiro não significa o que um indivíduo é (“sou assim”), mas o seu estado de ser (“estou assim”). Ao olhar para seu estado de ser, os indivíduos devem olhar para os domínios que os constituem como seres humanos. Dado que cada um dos seres humanos desenvolve sua individualidade a partir de condições históricas e sociais que tenham vivido, é impossível separar seu caráter individual de seu caráter social. Cada um tem sua própria maneira de atuar e gerar resultados, de forma distinta uns dos outros. Assim, a maneira como o indivíduo observa, a forma como atua e, consequentemente, os resultados que obtém referem-se tanto aos sistemas de que participa como às posições que ocupa em cada um desses sistemas.

Tanto no nível individual quanto no nível organizacional (coletivo), se o objetivo for alcançar resultados diferentes, é necessário realizar ações diferentes e, para isso, mudar o observador e sua maneira de ver o mundo. Todavia, é fundamental ter em mente que mudar o(s) observador(es) não garante mudar a organização. Muitas vezes é necessário intervir no(s) sistema(s) a que pertencemos. Do contrário, esses sistemas continuarão a exercer seu efeito de condicionamento anterior, podendo até mesmo reverter mudanças momentaneamente alcançadas no comportamento dos observadores.

Em outras palavras, é necessário realizar ações de transformação no ambiente (espaço relacional) no qual o observador está inserido e que exerce influência sobre seu comportamento.

Aí emerge o principal ponto que desejo destacar, a necessidade de olhar não somente para o observador, mas, sobretudo, para suas relações e aquilo que resulta delas, ou seja, seus afetos (assunto para um outro post).

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(algumas fontes deste post: Austin, Habermas, Maturana, Varela, Echeverría, dentre outros. O trabalho completo em torno da minha pesquisa sobre redes de compromissos conversacionais e aprendizagem organizacional está disponível neste link: https://repositorio.unb.br/handle/10482/41158)